A primeira temporada de The Last of Us terminou, mas não foi preciso seus 9 episódios para provocar pensamentos e fantasias a respeito de uma disseminação mundial de uma doença causada por fungos. Afinal, ainda estamos em um cenário de (pós) pandemia (COVID-19).
Das questões que qualquer telespectador de The Last of Us deve ter pensado, primeiramente, é importante desmistificar qualquer receio a respeito do fungo da trama. O Cordyceps sp é um fungo parasita e entomopatógeno, que utiliza exclusivamente insetos para desenvolver parte do seu ciclo de vida e que depois de infectar o hospedeiro é capaz de alterar totalmente o seu comportamento. Essa foi a principal característica que serviu de inspiração para o jogo The Last of Us e, assim também, a série de mesmo nome.
É possível uma pandemia por fungos?
Entendendo um pouco mais a respeito do gênero Cordyceps, se trata de um grupo de fungos pluricelular, que possui esporos como estruturas reprodutivas e hifas que formam estruturas corporais mais complexas como, por exemplo, as exageradas ramificações que aparecem na série.
Embora a série sugere que a contaminação seja, principalmente, por mordidas dos “infectados” em pessoas sadias, na vida real, a principal forma de contrair alguma doença por fungos é colocar nosso organismo em contato direto com uma alta concentração de esporos, algo extremamente pontual.
E, claro, o Cordyceps sp não é (ainda) do tipo de fungo que consegue interagir com nosso corpo, diferentemente dos mais conhecidos como o Candida albicans - causador da Candidíase, o Trichophyton sp - causador da Frieira, o Malassezia furfur - causador do Pano branco, entre outros.
E se a pandemia de The Last of Us fosse real? O quê poderia nos ajudar?
Como é visto nessa primeira temporada da série, a doença não tem uma cura ou algo preventivo, como uma vacina, desenvolvidos. Aparentemente, na trama, medicamentos fungicidas não tiveram efeito ou não foi possível experienciar sua ação, seja por tempo ou por tecnologia e conhecimento disponíveis.
Para uma doença sem tratamento ou cura, o único jeito é evitar a contaminação. No universo de The Last of Us, além da infecção por mordida, é possível identificar a possibilidade de contágio pelos esporos liberados pelos micélios (estrutura formada pela união de várias hifas) do fungo.
Considerando que, apesar do cenário apocalíptico, o Cordyceps sp se desenvolva como na vida real através de seus esporos, uma maneira de proteger os sobreviventes seria fazer uso de itens com a característica antifúngica, efeito promovido pelos antimicrobianos.
O que são materiais antimicrobianos? Por que poderiam ajudar?
Das diversas inovações reais e que poderiam existir em função dessa calamidade, estão os materiais antimicrobianos, cujas funções são inibir o crescimento microbiano (microbiostático) e/ou matar os microrganismos (microbicida). Classificados como aditivos, esses materiais estão presentes, principalmente, em produtos e estruturas de plástico, madeira, papel, metal e em revestimentos como tintas e vernizes.
Atualmente, também já existem linhas antimicrobianas de embalagens, tecidos, cimentícios, entre outras. As linhas de produtos com esses materiais normalmente possuem em sua embalagem a divulgação de seus resultados, como a famosa frase “elimina 99% das bactérias e fungos”, entre outros.
Sua finalidade envolve beneficiar o material em que está aplicado o preservando, sendo um agente na prevenção de mau odor ou manchas causados pelos microrganismos, bem como fazer desses itens pontos seguros contra a contaminação e disseminação de doenças. Através da ação dos princípios ativos, todo objeto ou superfície que possui esse tipo de tecnologia está com a chamada proteção de longo prazo contra microrganismos.
Como os antimicrobianos agiriam contra o Cordyceps sp?
O modo de ação de produtos antimicrobianos, que basicamente é a degradação da parede celular de patógenos por reação química, poderia contribuir de forma efetiva contra a disseminação do Cordyceps sp levando à sua inativação.
A ação fungicida do produto sobre o microrganismo atuaria na redução do crescimento e germinação do fungo. Como os esporos funcionam como o principal meio de contaminação e são estruturas consideradas mais simples, produtos aditivados com antimicrobianos poderiam reduzir a contaminação excessiva, contribuindo no combate à pandemia.
Porém, é importante ressaltar, isso ocorreria apenas através do contato direto com os esporos na superfície dos produtos e estruturas em que estão aplicados, não havendo efeito suficiente contra estruturas mais complexas dos fungos como as hifas, já que os antimicrobianos possuem ação contra microrganismos em fase unicelular.
Produtos com antimicrobiano fazem mal às pessoas e animais?
Aditivos antimicrobianos são produtos químicos, assim, precisam atender diversos requisitos de segurança para serem comercializados, de modo que são destinados como insumos para indústrias de transformação. Seu uso e aplicação são regulados e precisam passar pelo crivo de diversas etapas técnicas até chegar ao consumidor.
Essas etapas vão desde sua composição até a análise de eficiência, depois de incorporados, frente a diferentes tipos de testes conforme a aplicação final. Testes, estes, seguindo normas internacionalmente reconhecidas como, por exemplo, a JIS Z 2801 (equivalente a ISO 22176) que é um método que testa a capacidade de plásticos, metais, cerâmicas e outras superfícies antimicrobianas de inibir o crescimento de microrganismos ou matá-los.
Dessa forma, unindo o fato da ação dos antimicrobianos apenas terem efeito contra microrganismos aos processos que envolvem diversas etapas e comprovações, fica claro que o consumidor pode ficar tranquilo acerca do contato com pessoas e animais, incluindo até mesmo os insetos. A presença dos itens com aplicação antimicrobiana nas casas, no trabalho, escolas, transporte público, e outros cenários vistos em The Last of Us com a contaminação do Cordyceps sp teria ação apenas contra o fungo.
A tecnologia antimicrobiana veio para ficar. Cada vez mais vemos empresas apresentando linhas de produtos com esse benefício. Com certeza, boa parte das casas, escritórios e hospitais já possuem itens com essa propriedade. Se algum dia teremos uma pandemia apocalíptica por fungos, não sabemos. O que sabemos é que já existem meios de aumentar nossa proteção contra microrganismos patogênicos.
Texto feito em colaboração com Camila Florencio, PhD em Biotecnologia.
Referências:
Black J.G.; Black L. Microbiologia - Fundamentos e Perspectivas. 10a Ed., Guanabara Koogan, 2021.
Margulis L. Kingdom Fungi. 4a Ed. in: Kingdoms and Domains. Academic Press, 2009.
Kanagawa A.I.; Neves M.A. Biologia e Sistemática de Fungos, Algas e Briófitas. Ed. Universitária., 2011.
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